quinta-feira, 14 de abril de 2011

A Metamorfose - Franz Kafka


Voltando a postar...

O livro de Kafka tem uma perturbante e assustadora narrativa. Escrita em 1912, a história seria publicada apenas em 1915 em uma revista. O livro trata, resumidamente, de Gregor Samsa, um rapaz trabalhador que de repente passa a viver uma vida surreal quando acorda e percebe que se transformou em um inseto monstruoso.

Mas o que mais assusta na narrativa, não é nem mesmo a metamorfose do personagem, mas sim a total indiferença com que ele trata a situação. A mudança incomoda Gregor porque não o deixa prosseguir com seu ritmo diário no trabalho. O personagem central passa a ser um incômodo repulsivo para toda a sua família. A novela que começa pelo clímax parece pretender fazer o leitor acordar de seu dia a dia repetitivo e nada reflexivo, ou nas palavras do próprio autor, em uma carta de 1904: “Precisamos de livros que nos afetem como um desastre, que nos angustiem profundamente, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, como ser banidos para florestas distantes de todos, como um suicídio. Um livro tem de ser o machado para o mar congelado dentro de nós”.

Realmente, quando nos deparamos com algumas situações ou sabemos de histórias reais assustadoras olhamos tudo ao nosso redor de maneira diferente, como se acordássemos de um sono profundo. Kafka na verdade parece tentar atiçar o olhar do leitor, para que este visualize as pessoas e situações de maneira menos mecânica, talvez até mais humana. Grete, irmã de Gregor, com quem ele tinha alguma relação afetiva, foi a primeira a ver aquela situação como irreparável, e chega a dizer ao pai: “O senhor precisa se desfazer da ideia de que aquilo é Gregor (...) Se fosse, há muito teria percebido que seres humanos não podem viver com um bicho como aquele. E teria partido por conta própria. Perderíamos o irmão, mas poderíamos continuar vivendo com o verdadeiro Gregor em nossa memória para sempre”. Frase forte, cruel e nada muito além da realidade de nossa condição externa. Em geral tudo o que causa repulsa, nos afasta. Como diria o filósofo Theodor Adorno (1903-1969), o que choca no tipo de narrativa de Kafka é a naturalidade com que os fatos são apresentados.

O autor narra a vida de uma família que foi alterada pelo capitalismo, em que operários se viram tendo que passar horas trabalhando de maneira frenética. Nesta época, as grandes cidades europeias haviam passado por reformas urbanas e sociais.

“Metamorfose” é, na verdade, uma obra completamente atual, mesmo que tenha sito escrita em 1912, no contexto histórico, Kafka estava frente a questões políticas e históricas importantíssimas. Em meio à crise da “Bélle Époque”, compreendido como momento na história francesa do final do século XIX, e que se estendeu até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. No Brasil, a Proclamação da República (1889) marca o inicio desse período que foi até 1922 com o Movimento Modernista e a realização da Semana da Arte Moderna em São Paulo. Ou seja, seu momento histórico é marcado pelos novos movimentos culturais, transformações, florescimento do belo, novas tecnologias e o cinema. Kafka vivia naquele momento em meio a uma crise existencial e racional.

Franz Kafka nasceu em 3 de julho de 1883, em Praga, na Boêmia – atual República Tcheca. Seu pai era um comerciante judeu e sua relação com Kafka não era das melhores. Em 1906 ele se formou em direito e em 1908 ele arranjou um emprego no Instituto de Seguros Contra Acidentes de Trabalho, semiestatal na qual ele trabalhava meio período e dedicava o outro tempo à literatura. Kafka dizia “tudo que não é literatura me aborrece”. Sua saúde era bem atribulada, assim como a sua vida amorosa. Com tuberculose na laringe, o escritor é internado em mais um sanatório próximo a Viena, lá ele morre em 3 de junho de 1924, com apenas 40 anos. As três irmãs do escritor morreram nos anos 1940 em campos de concentração.

Após sua morte, seu amigo Max Brod, que sempre acreditou em sua genialidade e qualidade literária se esforçou em guardar suas obras, mesmo contra a vontade do autor. Kafka pediu em carta endereçada ao amigo que ele guardasse de seus escritos apenas os livros: O Veredicto, A Metamorfose, Na Colônia Penal, Um Médico de Província e o conto Um Artista da Fome, a carta pedia que ele queimasse todos os seus outros materiais. Brod não atendeu ao pedido de Kafka, interpretando ele como uma gafe, e assim suas grandiosas obras puderam ultrapassar gerações.

Boa parte da obra desse autor foi escrita com uma dose de angústia. Uma boa dica de leitura. Boa reflexão!

Sugestão de link: “Das portas na obra de Franz Kafka”, monografia apresentada na UNICAMP, em 2010.


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